Estranhei a ausência dela e liguei ao início da tarde para
saber se estava tudo bem. Que não. Que estava quase tudo mal. Fiquei
apreensiva, é daquelas pessoas que raramente diz que não está bem (mesmo quando não está). Preocupada, já, perguntei-lhe
o que não queria saber. E ela respondeu-mo. O que eu não queria saber.
A vida, às vezes rouba-nos indecentemente a oportunidade (que
aparentemente nos dá) de vivermos as coisas que concede a outros com tanta
facilidade! E pode nem ser muito o que há a conceder, e ser tanto o concedido!
E torna-se imensamente difícil compreender racionalmente o porquê de certas
coisas e apetece-nos rir do mundo e tornarmo-nos pessoas de olhar apagado, amargas.
As noticias fizeram-me pensar noutra amiga com quem falei
por altura do seu aniversário, quase no final do ano passado, e de quem ouvi o que não queria ouvir, também. Mora igualmente no
meu coração há muitos anos, e falarmo-nos (pelo menos) nestas ocasiões é algo de
que ambas não abdicamos. É quase uma irmã, morámos juntas quando estávamos na
universidade. Atendeu, dei-lhe os parabéns e balbuciei o “tudo bem?” sem
esperar resposta, enquanto lhe ia contando de uma só vez as novidades que
ansiava por partilhar. Finalmente calei-me, tive noção do silêncio
dela e de que até me tinha respondido um triste “mais ou menos” quando, sem
consciência, os meus lábios se tinham aberto para o “tudo bem?”.
Mau! Mais ou menos?
Que tinha uma cena num peito. O que queria ela dizer com uma
“cena” num peito? Um “problemita”. Estou em tratamento.
Uma vontade sem tamanho de chorar e de esmurrar a parede que entretanto
me aparecia à frente, mas foi-me saindo um “oh! estás a brincar…” desesperado.
Não se ouviu nenhuma voz. Era a voz de ninguém. Depois
ouviu-se a voz dela que me dizia para parar de chorar porque o tratamento
estava a resultar e que iria ficar boa. O ridículo! Ela! Ela que o vivia, que o
sentia, estava a consolar-me a mim!
“Como se o não ficares boa fosse uma possibilidade!” - quase lhe gritei como se o facto de o fazer
tivesse alguma influência no processo. Como se a minha vontade fosse a cura
para a dor e para tudo.
O que senti depois disto ainda não consigo explicar. Fez-me pensar. Estas coisas fazem-nos pensar. Na verdade, fiz-me espécie a mim própria. Senti-me um pouco envergonhada por estar agora a pensar mim, em alguns aspetos e situações da minha vida aos quais dei
demasiada importância e não a tinham; e
noutros a que dei pouca importância e teriam merecido mais. Não sei
se a altura do ano também ajudou (estava perto o ano novo, até inconscientemente se
fazem balanços, e há as New Year's Resolutions...).
Lembro-me de ter pensado no António Feio e nas palavras que
os ouvidos deste país (mundo, enfim) ouviram com uma sensível consciência: “Não
deixem nada por fazer”.
Se calhar não existe “não deixar nada por fazer ”, mas pode
existir deixar menos por fazer (por
dizer).
Tive casos em que fiz. Tive casos em que disse. É claro que
o nosso mundo interior não é o dos outros e é de esperar reações de estranheza (embora eu tivesse em mim a esperança de que todos
fossem reagir bem à minha – subentendida -
proposta de paz ou tréguas). Não foi assim. Nem podia ser. Infelizmente, consegui
ler em algumas pessoas o “esta agora lembrou-se e quer o quê?”, deixando-me triste.
Não me arrependo. É óbvio que a sensibilidade não é essencial à existência humana e há quem opte por não a ter. Cresci.
Há coisas que não valem a
pena.
E pessoas que também não.
E pessoas que também não.
1 comentário:
E haveria tanto para dizer (mesmo a sério)!
Há momentos em que é difícil segurar...
O importante é acreditar sempre e nunca desistir!
Gosto de ti*
Enviar um comentário