quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Um serão com Manuel Freire

Quando penso Manuel Freire, penso António Gedeão, e penso Pedra Filosofal. Não sei se com os outros também acontece, mas deve ser uma linha de pensamento comum a muita gente. E foi esta Pedra Filosofal que ouvi vezes sem conta e que continua a provocar-me um arrepio sempre que a oiço, que me fez querer ouvi-la ao vivo. Finalmente.
Manuel Freire apresentou-se ao publico num auditório acolhedor aqui bem perto de mim, e foi um serão riquíssimo aos mais variados níveis, onde se disse poesia e onde se cantou poesia. Onde nomes como José Gomes Ferreira, Fernando Assis Pacheco, Eduardo Olímpio, Sidónio Muralha e José Saramago, Luís Cília, Natália Correia, José Carlos Ary dos Santos, para além de António Gedeão, foram mencionados e, através das suas obras, ilustrados.
Para além de tudo isto, contaram-se histórias na primeira pessoa, histórias que só alguém com o carisma deste senhor poderia contar. Reviveu-se o momento em que Manuel Freire foi à televisão, mais propriamente ao programa Zip-Zip, em 1969, para cantar Pedra Filosofal, o tal poema de António Gedeão.
Não só me arrepiei quando ouvi a interpretação da Pedra Filosofal naquela voz, ali, bem perto de mim, como senti uma lágrimazita surgir no canto do olho...
Indubitavelmente, o Sonho continuará a comandar a vida, mas foi mais do que esta Pedra Filosofal o que trouxemos para casa depois de tão agradável serão. A mim, ficou-me este poema (também de Gedeão) que, confesso, antes da interpretação desta noite, nunca me tinha seduzido especialmente, e que foi um dos momentos altos da noite. Ficou cá dentro.
Ei-lo!

"Este é o poema do amor.

Do amor tal qual se fala, do amor sem mestre.
Do amor.
Do amor.
Do amor.

Este é o poema do amor.

Do amor das fachadas dos prédios e dos recipientes do lixo.
Do amor das galinhas, dos gatos e dos cães, e de toda a espécie de bicho.
Do amor.
Do amor.
Do amor.

Este é o poema do amor.

Do amor das soleiras das portas
e das varandas que estão por cima dos números das portas
com begónias e avencas plantadas em tachos e terrinas.
Do amor das janelas sem cortinas
ou de cortinas sujas e tortas.

Este é o poema do amor.

Do amor das pedras brancas do passeio
com pedrinhas pretas a enfeitá-lo para os olhos se entreterem,
e as ervas teimosas a nascerem de permeio
e os homens de cócoras a raparem-nas e elas por outro lado a crescerem.
Do amor das cadeiras cá fora em redor das mesas
com chávenas de café em cima e o toldo de riscas encarnadas.
Do amor das lojas abertas, com muitos fregueses e freguesas
a entrarem e a saírem, e as pessoas todas muito malcriadas.

Este é o poema do amor.

Do amor do sol e do luar,
do frio e do calor,
das árvores e do mar,
da brisa e da tormenta,
da chuva violenta,
da luz e da cor.
Do amor do ar que circula
e varre os caminhos
e faz remoinhos
e bate no rosto e fere e estimula.
Do amor de ser distraído e pisar as pessoas graves,
do amor de amar sem lei nem compromisso,
do amor de olhar de lado como fazem as aves,
do amor de ir, e voltar, e tornar a ir, e ninguém ter nada com isso.
Do amor de tudo quanto é livre, de tudo quanto mexe e esbraceja,
que salta, que voa, que vibra e lateja.

Das fitas ao vento,
dos barcos pintados,
das frutas, dos cromos, das caixas de tintas, dos supermercados.

Este é o poema do amor.

O poema que o poeta propositadamente escreveu
só para falar de amor,
de amor,
de amor,
de amor,
para repetir muitas vezes amor,
amor,
amor,
amor.
Para que um dia, quando o Cérebro Electrónico
contar as palavras que o poeta escreveu,
tantos que,
tantos se,
tantos lhe,
tantos tu,
tantos ela,
tantos eu,
conclua que a palavra que o poeta mais vezes escreveu
foi amor,
amor,
amor.

Este é o poema do amor."

2 comentários:

NUXA disse...

Áu béri náice! Teria adorado...

memyselfandi disse...

Para a próxima =)