sábado, 30 de março de 2013

Nenhuma borboleta é igual à nossa,

mas se vieres daí, Primavera, fazemos uma igual especialmente para te alegrar...

hoje foi dia de iguarias. passámos a tarde na cozinha e, entre outros manjares de fazer criar água na boca, fizemos um bolo "borboleta" para abrilhantar o nosso lanchinho de Páscoa.
e depois, como andamos a fazer de tudo para chamar a Primavera (já devem ter percebido), também achámos que talvez ela se sentisse seduzida pela nossa obra e resolvesse aparecer, finalmente...

a massa tem o dedo (ou as mãos) da mãe também. a decoração é exclusivamente da autoria do André.
para vocês, com votos de...


Boa Páscoa! =)

sábado, 16 de março de 2013

Fragmento, Estética do Artifício

"A vida prejudica a expressão da vida. (...) Eu próprio não sei se este eu, que vos exponho, por estas coleantes páginas fora, realmente existe ou é apenas um conceito estético e falso que fiz de mim próprio. Sim, é assim. (...) Esculpi a minha vida como a uma estátua de matéria alheia ao meu ser. Às vezes não me reconheço, tão exterior me pus a mim, e tão de modo puramente artístico empreguei a minha consciência de mim próprio. Quem sou por detrás desta irrealidade? Não sei. Devo ser alguém. E se não busco viver, agir, sentir, é - crede-me bem - para não perturbar as linhas feitas da minha personalidade suposta. Quero ser tal qual quis ser e não sou. Se eu cedesse destruir-me-ia."

Bernardo Soares, O Livro do Desassossego

quarta-feira, 13 de março de 2013

(n)o meu país...

"não desisto

São dez da manhã e estou à espera de ser atendido no Centro de Emprego. Não faço a mínima ideia que só vou sair dali às quatro e vinte da tarde, depois de uma longa e inesperada espera. Hoje foi este o meu dia.
Tenho na mão uma capa com toda a papelada que acumulei desde que caí nas malhas do desemprego, incluindo todo o processo que vou levar a tribunal, mais o primeiro volume de 1Q84, do Haruki Murakami, que a minha namorada me ofereceu. Nunca agradeci tanto um presente, acho eu.
Já li, aliás, cerca de cem páginas do livro quando o meu estômago começa a dar os primeiros sinais de apetite. Tenho a senha B091 e vai na B034. É uma da tarde. Passo em revista quase todas as caras das pessoas que se amontoam naquele espaço exíguo, algumas em pé, outras sentadas. Há alguns sorrisos que me parecem esforçados, há ausência na maior parte dos rostos e, para piorar, sinais de evidente derrota em alguns deles.
O homem ao meu lado, por exemplo, que deve ter uma idade a rondar os sessenta anos, está ferido num olho e sua tristeza por todo o corpo. Tira um bocado de pão do bolso esquerdo e come-o em pequenos pedaços, sem mais nada, escondendo-o dos demais. Não é por medo que lho roubem. É, parece-me, para preservar alguma eventual réstia de dignidade que ainda tenha.
Algumas vozes, ainda que contidas, protestam com as funcionárias que vão chamando lentamente os utentes. Chamam-lhes preguiçosas das mais diversas maneiras mas, em abono da verdade, acho injusto. Não vi nenhuma parada. Sei por experiência própria que alguns processos são bastante demorados. Não deixa é de ser curioso que, onde há tantos desempregados à espera de vez, não empreguem mais ninguém para atender. Rio-me, para dentro, do meu próprio país. Tenho pena de o fazer.
Sinto um toque no joelho. É uma criança que olha, babada, para o chocolate que entretanto abri. Parto uma porção generosa para lhe dar, mas primeiro procuro a autorização no olhar da mãe, que está algumas cadeiras ao meu lado. Ela abana ombros, consentindo com vergonha. A criança agradece, sem saber que eu é que lhe agradeço ainda mais. A mãe tem uns olhos tão bonitos que parecem um oásis naquele deserto de emoções. São negros, e fico com a sensação de que é impossível adivinhar o que está por trás deles. Apaixono-me por dois minutos. Valeu a pena o chocolate. A criança afasta-se.
Fixo os olhos no chão, como que para fugir dali por uns momentos, apesar da noção de que é impossível esconder-me. Fixo uns sapatos cujas solas estão quase todas descoladas. Parecem bocas abertas e, como tal, gritam em silêncio. É o que eu estou a fazer, a gritar em silêncio. A pobreza é pornográfica e está ali, à vista de todos sem chocar ninguém. É chocante.
Não desisto, penso. Chegou a minha vez de ser atendido. Chegará a nossa vez de viver."

sábado, 9 de março de 2013

quando as coisas não nos devolvem nada

esta noite vai sair outra vez. nunca são longas, as saídas. nem são assim tantas. ainda assim, é mais uma saída...
cuidou dela durante toda a tarde, agora escurece e vão sendo horas de aparecer no restaurante. esperam-na os amigos do costume, colegas de trabalho na sua maior parte. e, esperam-na também, as conversas: o estado do país, os impostos que não param de aumentar, as despesas com a casa, o carro, com os filhos.... falar-se-á inevitavelmente nas proezas profissionais e na falta delas; e nas gripes que persistem, fruto deste mau tempo, claro...
é verdade que tudo se revela algo terapêutico, menos solitário. convive-se, observa-se, constata-se. principalmente, partilha-se. partilham-se.
até que as horas se cumprem e como sempre, um regresso a casa.
há um novo regressar, que de novo nada tem. é a mesma urgência em voltar para o familiar, em mudar para uma roupa confortável, em espreitar o computador antes de dormir, em se esticar no sempre silencioso quarto.

esta noite insistiu em sair outra vez.
e já deitada, continua sem entender porque insistem as pessoas em cenas que não lhes devolvem nada...


sexta-feira, 1 de março de 2013